Capitalismo deu certo
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Tem dúvidas disso?

Tá fácil não. Mas é assim mesmo.

Aqui vamos conversar sobre algo praticamente incorporado ao nosso DNA, pois cada um dos sete bilhões de indivíduos da espécie humana desse planetinha azul dedica, com suor e esforço, todo o seu tempo e força ao inquestionável sucesso do capitalismo.

Nunca antes a sua existência, sua força, sua vida, cada instante seu, foi tão dedicado a gerar lucro a outro como hoje, pois essa é a premissa fundamental capitalista: gerar lucro, acumular riqueza. Se você não tem riqueza ou só prejuízos, parabéns, está contribuindo para o sucesso do capitalismo.

Talvez isso lhe pareça estranho. Talvez fique indignado, dizendo que o capitalismo não deu certo para você. Quando olha para seu saldo bancário, boletos, faturas do cartão de crédito, conclua que o capitalismo não deu certo para você.

Acho que está colocando expectativas no capitalismo que nada tem a ver com o que ele espera de você.

Explorando o conceito

O capitalismo está muito associado a algo individual, uma conquista em que você se empenha, se esforça, lê livros de autoajuda e consegue juntar um milhão de reais com 22 anos de vida. Ou nunca consegue. De qualquer forma, parece ser o princípio do capitalismo que seu enriquecimento é autônomo, isolado, que independe de outros, como também nem afeta a outros. Vamos pensar se realmente seria este um princípio.

É possível acumular riqueza ou ter lucro sozinho em uma ilha?

Você desenvolveu uma máquina que extrai coco do coqueiro e o transforma em leite de coco, hidratante, coco ralado, shampoo e bala de coco. E na sua ilha tem milhões e milhões de coqueiros. Também tem uma impressora 3D que extrai minérios e fabrica o que você deseja, de carros a hidros, lençóis de 300 fios, iphone no valor de Corsinha. Imagine, você tem tudo! Está se sentindo rico?

Está faltando alguma coisa para você se sentir rico. Já sabe o que é. Um binóculo. Então você olha para as outras ilhas, cada uma com um indivíduo, e exatamente com as mesmas máquinas e coisas. Igualzinho, um monte de coco, lençóis, tudo igual. Ainda não está se sentindo rico, certo?

De repente aparece uma pessoa perdida na sua ilha, sem nada, só com a roupa do corpo. Ela te oferece qualquer coisa, em troca de comida, água e um lugar para dormir.

Por mais justo, mais igualitário, mais democrático que você seja, agora, finalmente, você sente sua riqueza. Pois você achou um…. pobre!

Sem pobreza, não existe riqueza.

Perceba que é algo extremamente basilar ao termo. Não estou fazendo uma reflexão sobre a realidade. Apenas sobre o conceito. A riqueza precisa de um parâmetro, precisa de uma dimensão, pois ela é um termo relacional.

Morar em uma casa de aluguel, tendo um Prisma 2010 na garagem, um Moto G5 no bolso, ter emprego e salário é o que define um indivíduo rico, para quem vive na rua. Como vivemos em um mundo com bilionários, sabemos que o dono do Prisma não é nem um pouquinho rico. Observe como a dimensão da riqueza, apenas para existir, é dada pela dimensão da pobreza.

O capitalismo não é viver com conforto e de forma saudável, segura e plena. É acumular riqueza. Então se todos os indivíduos possuem 100 coisas, ninguém é rico. Se todos possuem 1 000 000 000, ninguém continua sendo rico.

Não dá para saber o quanto rico você é sem um pobre para comparar.

Depois da riqueza, o lucro

Voltemos às ilhas. Todos fabricam binóculos, percebem as outras ilhas e decidem trocar coisas. Cada ilha tem 100 coisas. Todo mundo troca e, no fim, cada uma fica com 100 coisas, diferentes mas continuam tendo 100. Alguém obteve lucro?

Agora imagine alguém que, no fim das trocas, ficou com 110. Para isso ter acontecido em uma ilha um cidadão ficou com 90. Olha a riqueza | e a pobreza | surgindo.

Lembra do carinha que chegou perdidão na sua ilha? Adivinha? Alguns anos atrás você o contrataria mas depois de 2016 você não assina a carteira de trabalho dele. Apenas mostra um aplicativo, o Ubercoco. “Uhu” grita o perdidão, vai ser chefe dele mesmo tendo a própria barraquinha de coco para vender… seus cocos.

Agora além de gerar lucro sobre as outras ilhas, você vai gerar lucro sobre o esforço do outro. O perdidão vai comprar seu coco para comer, assim terá energia para trabalhar para vender seu coco, para ter dinheiro, para comprar seu coco para comer, assim terá energia para trabalhar para vender seu coco, para ter dinheiro.

Você utiliza um ser humano para transformar seu coco em energia, depois em riqueza.

Mas agora seu coco ficou um pouquinho mais caro, então o perdidão vai precisar trabalhar só um pouquinho mais, porque a economia da ilha precisa crescer. Na verdade sua riqueza precisa crescer. E depois de 65 anos, o perdidão vai descobrir que a lei mudou e continuará trabalhando para você. Mas olha você feliz com o crescimento econômico da sua ilha.

Para cada nação rica, existem quantas pobres?

Podemos pegar diferentes parâmetros para relacionar riqueza e pobreza. Entre indivíduos, dentro de uma sociedade, a relação é mais óbvia e próxima. Mas entre sociedades | nações | ela não é tão evidente. Não percebemos o fluxo cotidiano de dinheiro | energia | saindo dos nossos bolsos e chegando aos países ricos.

Mercadinho, Extra ou Dia?

Se a gente continuasse comprando no mercadinho, que emprega gente do bairro, que o dono mora no bairro, manteríamos o lucro do dono do mercado no bairro. Possivelmente ele compraria as coisas no próprio bairro. Mas somos forçados e levados aos hipermercados, mesmo que sejam iguaizinhos ou pior que o mercadinho | tipo o Dia | para fazer o capitalismo dar certo. A riqueza não pode ser compartilhada entre milhares e milhares de mercadinhos, ela precisa ser concentrada em algumas pouquíssimas marcas, como o Extra | que, na verdade, o dono é Pão de Açúcar || que, na verdade, o dono é Casino, da França.

Viu? Ao comprar um pãozinho, você pega sua energia | em forma de dinheiro, depois que se matou de trabalhar e recebeu seu salário | paga o custo de fabricar o pãozinho, mais um lucrinho de… R$ 0,01 para o Extra, que vai parar na mão do Pão de Açúcar, que vai para na mão do Casino, que é presidido por Jean-Charles Naouri, um cara francês com fortuna avaliada em 1,2 bilhão.

Seu pãozinho francês do Extra enriquece a França.

Sua energia gera lucro

No final de 2018, o Bradesco empregava 98 159 funcionários. Em 2017, lucrou R$ 4,7 bilhões. Se dividirmos o lucro pelo número de funcionários, cada um gerou R$ 47.881,50 de lucro por ano.

Segundo esse site aqui a média salarial dos funcionários do Bradesco é de R$ 2.901,00. Por ano, isso dá R$ 37.713,00 contando o décimo terceiro.

Pegou a continha? Não, não vai dar 10 mil de lucro. A dedicação desse funcionário, acordando cedo e indo ao banco de segunda a sexta, durante 11 meses, toda a energia desse funcionário gera dinheiro ao Bradesco para pagar seu salário, todos os impostos, todos os custos de prédio, luz, água, internet, todas as impressões, linhas telefônicas, o cafezinho que ele toma para conseguir trabalhar, tudinho e ainda sobra quase R$ 48 mil para dividir entre os sócios do Bradesco que dedicaram, sendo bem otimista, o mesmo de energia do funcionário. Pera, sobra R$ 48 mil de cada um dos quase 100 mil funcionários para pouquíssimos sócios.

Plenitude capitalista!

Claro, quem mais entende da lógica capitalista são os bancos. Eles usam muito bem toda a energia e dedicação de seus funcionários para enriquecerem. E como vimos, se eles estão ficando ricos, sim, você faz sua parte ficando pobre.

Calçada capitalista

Sabe os impostos? Olha que curioso. Pense, quais são os lugares da cidade mais valorizados? São aqueles que possuem estações de metrô, parques, ruas asfaltadas, guia de rua, não alagam, há árvores nas calçadas, iluminação da rua funcionando, água tratada, energia, rede de esgoto, de gás.

Um terreno se torna muito caro não apenas por investimento de seu dono nele, mas muito mais por investimento público no entorno. O gasto de impostos gera riqueza para quem já é rico | e comprou terrenos em regiões onde os governos investiram. O poder público constrói uma estação de metrô com o dinheiro de todos e valoriza só o que tem em volta. Imagine se essa valorização do privado pelo público retornasse ao público? Não! Não seria capitalismo, o poder público não estaria contribuindo para o acúmulo de riqueza.

A necessidade do desemprego

O perdidão percebe que está trabalhando muito lá na sua ilha e não ganhando o suficiente. Decide cruzar os braços. Como não é o Estado de São Paulo, não há Tropa de Choque ou Cavalaria para proteger o enriquecimento da ilha. Então você contrata o perdidão e define seu salário em $4, com direito a plano de saúde e VR. Durante o ano, você aumenta o preço do coco, o Perdidão faz greve de novo. Você aumenta o salário dele para $5. Olha que absurdo, todo ano agora ele faz greve, impedindo a premissa fundamental do capitalismo, que é acumular riqueza. Um cara contra o capitalismo, pois quer ficar com a riqueza um pouquinho mais com ele.

Só que, de repente, chega o perdidão 2. Vamos chamá-lo de Fulano. Você chama o Fulano e oferece VR, plano de saúde e salário $3. Desesperado, ele aceita. Você paga uns $10 de multa para o Perdidão e o demite.

O desemprego exerce um papel fundamental no capitalismo. Com a taxa no nível certinho, você não afeta a capacidade de um país usar seu povo para transformar energia em riqueza para um pequena elite, ao mesmo tempo que mantém um certo nível de ameaça ao emprego, para que todo mundo aceite condições desumanas de trabalho.

Em nosso país, em 2014, a taxa estava em torno de 5%. É pouco para o capitalismo. O sistema precisava agir. Cinco anos depois, em 2019, resolvido o problema: ter 12% de desempregados atualmente é um baita número de sucesso do capitalismo. Curiosamente, a última vez que o Brasil teve 12% foi.. em 2003.

Se você não entendeu o parágrafo acima, nem desenhando mesmo.

Números do Sucesso

Hoje no mundo já fabricamos alimentos, temos moradia e produzimos energia para todos os habitantes do planeta. Se cada indivíduo tivesse direito a comida, água limpa, habitação, energia | e hoje internet | seria uma evidência do fracasso do capitalismo. Felizmente não é essa realidade que encontramos:

1% da população global detém mesma riqueza dos 99% restantes, diz estudo

É muito provável que você não faça parte dos 1%. Eu também, mas repare na notícia. Só é possível falar de riqueza em relação àquele que não tem. Seria estranho dizer “1% da população global detém riqueza”, mas mesmo assim, você mentalmente já se pergunta “e os 99%?” É muito provável que se estivesse entre esse um por certo, estaria pouco se lixando sobre o restante. De qualquer forma, só é possível existir 1% com | o francês lá| se existirem 99% sem | nós.

Mas o comunismo e o socialismo….

São apenas argumentos, hoje em dia. Ninguém sabe direito o que é o comunismo e o socialismo. Contudo, como o indivíduo não consegue encontrar nenhum argumento para defender o capitalismo, ele se torna especialista em comunismo.

Perceba. A pessoa que inicia a frase com “Mas o comunismo…” vai apresentar uma lista de críticas a ele e nenhuma defesa ao capitalismo. Você que defende o capitalismo, faça a defesa dele.

Orgulhe-se de cumprir seu papel nos 99% da população.

Tem como escapar?

Seria como tentar ser ateu na Idade Média ou no Brasil de 2019. Toda essa reflexão é para defender que não dá para construir uma forma justa de distribuição de riqueza em um sistema que funciona pela lógica de acumular riqueza.

Talvez, no fim de todas essas contas, seja essencialmente humano explorar outros humanos. E não seja o capitalismo que nos defina, mas nós | humanidade | que definimos a exploração como base para nossas relações.

Se você concordou com 1% dessa frase acima, viu só, como já está naturalizado em nosso DNA?


Leu tudo? Óia. Agora só falta comentar e compartilhar!


2 thoughts on “Capitalismo deu certo

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